quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

[RESENHA] A Abadia de Northanger, Jane Austen

Catherine Morland, filme Northanger Abbey


Este foi o primeiro livro escrito pela Jane Austen em 1803, todavia só foi publicado 13 anos depois, quando ela já tinha ficado famosa por sua obra mais popular Orgulho e Preconceito [Pride and Prejudice]. Este fato gerou uma curiosa nota inicial no livro, escrita pela própria Austen explicando o fato do atraso da publicação:
"...Pede-se, pois, ao leitor que não se esqueça de que se passaram treze anos desde que foi terminada [esta obra], muito mais desde que foi iniciada, e, durante tal período, lugares, maneiras, livros e opiniões sofreram mudanças consideráveis."  Nota ao leitor, por Jane Austen, em Abadia de Northanger.
Comparada às cinco outras obras da autora, A Abadia de Northanger (Northanger Abbey) é a mais leve e descontraída. Uma leitura rápida e menos densa que Emma, Razão e Sensibilidade e Orgulho e Preconceito, por exemplo. E tabém com uma personagem mais jovem que as demais heroínas austenianas. Catherine Morland tem apenas 17 anos, não é bem educada nem muito bonita. Muitas vezes até considerada "cabeça de vento" ou "avoada" pela mãe. Os pais são bem distantes ou até mesmo indiferentes à filha - ou aos dez filhos. Mas num golpe de sorte Catherine consegue ir para Bath, lugar chique e badalado, na companhia de uns vizinhos muito ricos que não têm filhos. Dá-se aí o início da "aventura" da nossa heroína.

O ponto focal desta obra é fazer uma paródia dos romances (novels, estilo literário), principalmente os góticos bonachões. Então Austen escreve um romance com um toque gótico às avessas, que é mais engraçado do que a proposta "assustadora" dos livros deste tipo. Além disso, como sempre Jane faz, existem outros temas por cima do principal, mais profundos e reflexivos que tornam a obra um clássico deste gabarito.

Jane fala de amizade, de amor, da passagem de criança a adulto de uma mulher naquela época e principalmente aprendizado. Catherine aprende muito ao longo de um ano, o que a faz passar de uma moleca que vivia com a cara enfiada nos romances góticos do tipo Udolpho, para uma moça que começa a pensar por si mesma, refletir um assunto e construir suas próprias opiniões e argumentos.

Esta não é minha obra preferida da Jane, mas é um daqueles livros que ler só vai contribuir pro seu crescimento pessoal. Além de te ajudar a entender a mente reflexiva, profunda, irônica e sagaz dessa autora sem igual. E ainda sobre a nota inicial que Jane escreveu sobre o atraso da publicação da Abadia, imaginem só o que ela diria hoje, 210 anos após a obra ter sido concluída! Não sabia ela que nenhuma das preocupações que tinha, iria interferir na preciosidade desta obra. Nem treze nem duzentos e dez anos depois. Simplesmente porquê Jane Austen é atemporal. É só você lê-la com olhos atentos!




Agora vamos para os QUOTES!!

"...deve ser muito errado que uma jovem sonhe com um rapaz antes que se saiba que o rapaz sonhou com ela primeiro."
"A amizade é decerto o melhor bálsamo contra as dores da decepção amorosa."

"Não sei gostar das pessoas pela metade; não é da minha natureza. Meus relacionamentos são sempre muito fortes."

"O senhor há de concordar que nas duas coisas [no casamento e na dança] o homem tem a vantagem da escolha e a mulher, só o poder de recusar."

"Aquele que, homem ou mulher, não sente prazer na leitura de um bom romance deve ser insuportavelmente estúpido"

"Quando as pessoas querem ser simpáticas, devem sempre parecer ignorantes. Vir com a mente bem informada é vir com uma incapacidade de lidar com a vaidade dos outros, o que uma pessoa sensata sempre prefere evitar. Sobretudo a mulher, quando tem a desgraça de conhecer alguma coisa, deve escondê-lo o máximo possível."

"Embora para a maior e mais frívola parte do sexo masculino a imbecilidade aumente em muito os encantos pessoais femininos, há uma parte deles, razoável e bem informada, que deseja algo mais na mulher do que a ignorância."


Aldrêycka Albuquerque

domingo, 27 de janeiro de 2013

Mulheres Vazias, by Jane Austen



"Embora para a maior e mais FRÍVOLA parte do sexo masculino a IMBECILIDADE aumente em muito os encantos pessoais femininos, há uma parte deles, razoável e bem informada, que deseja algo mais na mulher do que a IGNORÂNCIA." Jane Austen, Abadia de Northanger.

quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Planos Infalíveis





Quantas vezes nos pegamos fazendo planos? Quantas vezes reclamamos por nada ter ocorrido como planejado? Ou ainda pior, quantas vezes nos perguntamos como tudo pode ter saído como planejado, mas ainda assim, não ter dado certo? Agora, lembre-se o que de melhor te aconteceu no ano passado e me diga: isso estava nos planos? É, provavelmente não.
Aprendemos desde criança a ter o controle da própria vida fazendo planos infindáveis que devem ser infalíveis e que qualquer desvio pode ser suficiente para fadar você ao fracasso. E assim passamos a vida, fazendo planos que dando certo ou errado, acabam nos deixando cansados e nos sentindo incompletos. Crescemos cheios de certezas, cheios de novos planos, cheios de presunções... O que não faltam são sonhos a serem sonhados, mas o último sentimento antes de dormir é sempre de vazio. Passamos a vida caçando a própria cauda, mas esperando encontrar o caminho para Nárnia.
Quando vamos parar para pensar, refletir e perceber que o melhor que pode nos acontecer geralmente está completamente fora dos nossos planos e expectativas? O que verdadeiramente faz a diferença nas nossas vidas geralmente escapou do melhor dos planos, e nunca é totalmente como imaginávamos. São nesses Planos Infalíveis que estamos acostumados a traçar, que entram os desejos mas fica de fora a felicidade. Entra o mestrado, mas fica de fora a gravidez inesperada; Entra o emprego na multinacional, mas fica de fora a empresa que você abriu na garagem com os amigos; Entra o casamento mais caro da cidade, mas fica de fora o italiano de olhos verdes dono do buffet que você contratou, e que acabou se apaixonando; Entra a compra da casa na praia, mas fica de fora os trigêmeos. O melhor acaba sempre ficando de fora.
Então, antes de se entristecer por se descobrir fora da rota traçada, ou mesmo antes de fazer a ponta do lápis para elaborar grandes planos para o futuro, pare por um instante. Entenda que na vida o controle é só imaginário, e mais importante que o destino é o caminho a se tomar. Deve-se apostar mais nas rotas alternativas que podem aparecer ao longo do caminho, e menos nos atalhos suspeitos ou rotas que você ouviu dizer que era a melhor. E o principal: fique atento aos sinais. Às vezes o que separa você da felicidade não é um plano infalível, mas apenas uma placa de retorno que você pode deixar de ver enquanto procura no mapa, pela milésima vez, o caminho que você deveria tomar.

Aldrêycka Albuquerque

domingo, 13 de janeiro de 2013

Novidades do Passado





- Olha só! Ela está tão perto! Consegue ver, amor? 

- Sim, sim! É você, querida! 

- Sim, no ano que nos conhecemos. Olha só, eu estava tão perto, tão perto de ter minha vida mudada e não fazia a menor ideia. 

- A gente nunca sabe. Todo Réveillon é assim, por mais planos que façamos, por mais expectativas que empreguemos, as coisas maiores, as mais marcantes, as viradas de vida, sempre são deixadas de fora da lista de desejos para o ano que se inicia. 

- É sim, você tem razão. Olha só pra mim, tão compenetrada escrevendo tolices nesse bloquinho. Você não gostaria de saber o que está escrito? 

- Boa questão, me fez lembrar de outra coisa. E se você pudesse falar com você mesma? Você sabe, não só olhar daqui de cima, mas conseguir falar de verdade com essa você do passado. 

- Nossa, querido, mas já faz tanto tempo... Eu era tão jovem... Nem saberia o que dizer! 

- Sim, e estava prestes a ter a vida mudada de cabeça pra baixo. Não te amedronta o fato de que ela pode se atrasar no dia que nos encontramos e perder o trem? E se ela não seguir os mesmos passos que você seguiu? Não tem medo? 

- Não! Porque ela sou eu, só que no passado. Nós só estamos espiando o que passou. São como sombras, você sabe, como o Dickens dizia, Sombras do Passado. 

- Mas não faz o mínimo sentido! Nós estamos aqui conversando, enquanto ela está lá, grudada neste bloquinho escrevendo sabe-se lá o quê. Cadê o livre arbítrio nisso aqui? Ela tem o direito de fazer o que bem entende, não apenas repetir o que você fez! 

- O que você quer dizer? Você sabe que está fora dos limites interferir nas coisas do passado! Só nos é permitido assistir, recordar. E outra coisa, por que você tanto quer interferir na vida dela? Você quer dar a ela uma chance de ter uma vida diferente da minha? É isso o que você propõe? 

- Não é isso, querida, não fique assim! Eu só queria saber como isso tudo funciona. Você tem que concordar comigo que muito mais que uma lembrança ou uma sombra do passado, essa garota aí é só mais uma garota escrevendo num bloquinho antes de ir dormir. Amanhã ela tem todas as inúmeras decisões a tomar, como qualquer outra pessoa. Não está fadada a repetir suas ações. E por favor, eu mais do que ninguém quero sim que nos conheçamos. Ora, assim essa conversa vai ficar girando em círculos! 

- Então o que você quer? 

- O que eu quero? Não sei! Você é quem fez questão de espiar um fato do seu passado que nem você lembra mais. Pelo jeito, uma lembrança completamente irrelevante, de você sentada na cama, há o que? Vinte minutos escrevendo sem parar? Que tipo de lembrança é essa? 

- Não sei querido, não entendo bem essa máquina. Isso tudo ainda é muita novidade pra mim. 

- Tantas coisas para se rever do passado! O dia em que nos conhecemos, nosso casamento, o nascimento dos meninos... E você nos trouxe para um dia qualquer que nem tínhamos nos conhecido ainda! Deixe-me ver os comandos que você inseriu. (----) Querida, você pediu para voltar no tempo... No dia, no exato dia em que você começou a escrever nossa história juntos... Mas não faz muito sentido, uma vez que, olha só a data, é Janeiro, ainda faltam alguns meses para nos conhecermos. Como pode você estar neste momento “escrevendo” a história a dois, com alguém que você ainda nem conheceu? 

- Bem... Escrevendo... Ela literalmente está escrevendo... E olha bem, olha só o que ela está escrevendo! Bem que eu não estava lembrada desta memória! Olha aí o que você procurava! O tal livre arbítrio! É lindo! Estamos assistindo um evento completamente novo do passado! Algo que não tinha acontecido até agora. 

- Como assim? O que ela está escrevendo? Você está conseguindo enxergar daí? 

- Aqui, deixe-me aproximar... Bem aqui! É isso querido, o evento novo que prova o livre arbítrio das sombras do nosso passado! Nesse exato momento eu estou escrevendo... sobre nós! Olha só! 

- Mas... Mas como é possível? Como você naquela época poderia estar escrevendo algo que ainda vai acontecer? Estou completamente confuso agora. 

- Ah, é simples! E nem precisa de máquinas caras e todas essas parafernálias tecnológicas como essa tranqueira aqui. Há séculos e séculos nossos antepassados já faziam isso! 

- Isso? Faziam isso? Prever o futuro? Escrever algo que ainda vai acontecer? É assustador, olha lá, ela está escrevendo sobre o próprio futuro. Ela tem consciência disso? 

- Claro que não! Querido, nós estamos tão cheios de tecnologia por todos os lados, que esquecemos desse dispositivo, esse truque tão usado por tantas gerações antes de nós! 

- Que seria... ??? 

- A criatividade, meu amor! Ela não faz ideia do que está escrevendo. De fato não vai fazer sentido por algumas centenas de anos. Até alguém inteligente ler o escrito dela de uma maneira diferente, com um olhar mais aberto e apurado. E pronto! É descoberto mais um texto do passado, vivo como se tivesse escrito hoje! E cheio de reflexos do futuro. 

- Impressionante! E olha só, de fato é o momento inicial da nossa história! Muito antes de começar, você já tinha escrito... 

- É. Mas é uma pena que isso só passou a fazer sentido pra gente hoje, tantos anos depois. 

- Pois assim tinha que ser. O passado é fluido e mutável tanto quanto o presente. Você mesma está vendo isso.

- Estou sim, olha só, ela não larga a caneta... 

- Então, provando que nossas versões do passado tem o mesmo livre arbítrio que nós no presente... Você não tem medo? Medo de que o livre arbítrio dela a leve para outros caminhos? E sua vida acabe diferente? 

- A vida dela pode ser diferente, pois é só dela. A minha vida foi e é do jeito que é. Estou muito bem com meu passado, obrigada. Já a vida dessa moça aí tão parecida comigo, não sei para onde vai. Mas se ela for metade feliz do quanto eu fui e ainda sou, ela vai ser com certeza a segunda mulher mais feliz do mundo!


Aldrêycka Albuquerque

terça-feira, 8 de janeiro de 2013

Resistência




Enquanto a palestra rolava seus carretéis enfadonhos e maçantes por entre toda aquela gente, ela só o observava. O lugar estava lotado, a luz não era das melhores, mas eles estavam próximos o suficiente para se tornarem assunto mais interessante naquele lugar. Eles se reversavam. Cada um tinha sua vez de observar o outro, mas sem cruzarem o olhar por tempo suficiente para se configurar uma paquera explícita.

Ela precisava de um rosto, de uma figura para assumir o lugar que ela vem preparando a tanto tempo. Ela precisava de alguém que tomasse para si todo o amor que ela vinha guardando. E ele parecia tanto ser essa pessoa... O candidato ideal para assumir esse lugar.

Ele tinha no olhar uma gravidade que ela gostou de primeira. Bem como um sorriso daqueles que esquentam qualquer coração. E suas demais características eram em geral bastante atraentes. Porém o que mais chamava a atenção dela, definitivamente, era aquele semblante de alguém sério, comedido e que carregava meio mundo nas costas. Em tempos em que as pessoas aprendem desde cedo a despejar nos outros seus fardos, encontrar alguém que seja resistente e plenamente consciente do peso que carrega, era de se apaixonar mesmo.


Aldrêycka Albuquerque