segunda-feira, 30 de junho de 2014

Sobre o mar que domei em mim



Todos sabem como é estar à deriva. Qualquer direção parece atrativa, e qualquer vento mais atrevido nos coloca em outra rota. E na falta de um destino traçado, se colocar a disposição das intempéries da vida é a única maneira de sair do lugar. Pra frente ou pra trás, mas acaba que me tira daqui. Me leva e me traz, açoitando-me às costas como o mar bate nos rochedos. Sem piedade a vida vai me rebocando, e aos trancos e rebordosas eu vim parar nessa ilha.

Não que eu esteja dispensando um porto seguro, mas em mar aberto avistar terra é quase uma miragem, e atracar a embarcação e dormir um sono tranquilo é quase um luxo. Então tomei essa tua ilha e chamei de minha, agarrei com todas as forças que ainda me restavam. E quando pensava que agora em terra passaria a estar ainda mais sozinho que no mar, eis que eu te vejo surgir. E tudo o mais parecia uma pintura de Dalí. Entrei em pânico. Juro que quase me joguei de volta pro mar, que nunca me pergunta nada, não me cobra nada, e ainda é meu companheiro. Fiel companheiro e capataz. Mas não esperava você. Não assim desse jeito.

Mas aí você veio. Assim tão misteriosa e carregando a força dos sete mares presa nos olhos. Comedida, só revela o que bem entende, e com apenas um olhar extrai de mim até os mais escondidos segredos. É uma força maior que qualquer tempestade que já passei, você olha pra mim e eu me desfaço como espuma do mar sobre a areia fofa da praia. Uma hora éramos apenas eu e o mar, de repente você é todo o meu mundo.

Nunca ninguém soube explicar como eu vim parar em mar aberto de novo. Fragmentos da nossa história ainda são contados em Terra firme, mas nenhum de nós ficamos para comprovar autenticidade do que é dito. Eu voltei pro mar, mas de você nunca ninguém soube precisar... Uns dizem que você encontrou uma rota de fuga, outros dizem que se jogou dos penhascos vítima de loucura. Eu preferi não acreditar em ninguém, voltei aos setes mares que novamente urgia meu nome. 

Para o mar não voltei pra te procurar, vim apenas pra te esquecer. Voltei pro mar me levar. Voltei pra aprender a perder o meu eu que você disse ter encontrado. Voltei a navegar por tempestades assustadoras, daquelas que eu costumava esperar passar, enrolado entre teus lençóis. Tempestades que tu me ensinastes a temer, das mesmas que no passado tanto me faziam mais humano. Mais forte para a vida, quando nelas a morte eu já não temia. Mas contigo eu desaprendi a desdenhar da vida. Desaprendi a desapegar. Desaprendi a deixar o mar conduzir. E foi enquanto caminhávamos juntos nessa busca incessante pela destruição de quem fui e descoberta de quem eu realmente era, que de repente você ficou pelo caminho. Foi soltando-se aos pedaços, como flor delicada sofre sob chuva forte. Eu me derramava impetuoso sobre você, enquanto você se desfazia. Então de repente você não estava mais lá.

E eu me acordei suado no convés do barco. Escutei a chuva castigar lá fora, e respirei fundo até sentir garras perfurarem meu peito. Era meu eu voltando de onde tinha fugido. De onde você tinha o expulsado para colocar no lugar uma versão minha pintada por você. Me levantei e fui enfrentar a tempestade. E enquanto eu brigava com as ondas, de repente te vi em mim. Estava eu querendo dominar o mar, ditar pra ele qual era o meu lugar. Sem querer tinha deixado de perceber que no lugar de grilhões você tinha me dado algo muito mais perigoso. Você me deu vontade de lutar. Criou dentro de mim força para ser quem eu bem entendesse. Fez com que eu me sentisse capaz de ditar pro mar para onde eu queria ser levado. Me fez querer. Mesmo que pra isso você teve que se perder no caminho. Você foi além dos mares e me resgatou. Mesmo que pra isso teve que se doar no meu lugar. A força que vi nascer de mim tinha uma só origem, e só hoje foi que eu descobri, foi ao te perder que vi que você vive em mim.



Aldrêycka Albuquerque